Por Wilson Carnevalli Filho, sócio-diretor da Ekilibra
A Governança Corporativa é constantemente associada a instrumentos de controle, compliance e ao processo decisório, mas pouco se enfatiza a questão da indicação de pessoas para compor as principais posições da organização: a dimensão humana da governança. É sobre este tema gostaríamos de tratar neste artigo.
Escolhas que dividem e complicam
Recentemente, a mídia noticiou um esperado acordo entre dois grandes grupos empresariais para a solução de um conflito societário. Foi bastante festejado, as ações subiram no IBOVESPA por aparentemente colocar fim a uma batalha que durou vários anos e prejudicou sobremaneira os resultados da empresa. Neste acordo está previsto que cada acionista terá uma cota de diretores para indicar, e que estes se alternarão na indicação do presidente da empresa.
Este ponto não gerou repercussão, mas o impacto na governança de uma decisão como esta não é desprezível. Vejamos: os acionistas sabidamente não compartilham os mesmos valores e naturalmente possuem desconfianças mútuas. Então, será bem provável que terão os diretores do acionista A e os diretores do acionista B, cada um com suas equipes.
Será difícil para o presidente indicado, quando ele tiver que enfrentar situações de, por exemplo, a equipe do diretor A intervir nas decisões do diretor B, e por aí vai. Na prática, o que os acionistas fizeram foi dividir a empresa em dois, refletindo o “acordo”. Ou seja, transferiram um problema de governança para a gestão.
Além disso, ao estabelecer uma cota, criaram um empecilho à eficiência. Com o desenvolvimento das novas tecnologias, por que a diretoria deve permanecer com um número predeterminado de diretores? E se for necessário ter mais diretores para desenvolver um novo negócio ou uma nova tecnologia? E se for necessário reduzir o quadro? Qual o propósito de interferir na gestão, tirando a liberdade de ação do presidente?
A cultura da organização e sua história, bem como as relações construídas deixam de ser importantes. Cada acionista poderá indicar os nomes que julgar adequados conforme as suas avaliações. A identidade da organização fica em segundo plano, pois dificilmente irão se debruçar sobre este ponto. Há vários casos mostrando que os resultados, podem ser ruins para a empresa – a curto, médio e longo prazo colocando o próprio negócio em risco.
Olhando pela perspectiva do Conselho de Administração, a situação não é melhor. Em princípio, os conselheiros terão muitas limitações em avaliar os interesses da empresa, pois sempre vai pairar no ar o conflito de interesses em avaliar decisões que afetem as áreas que não estão sob o controle do acionista que representam. Será um exercício constante de coerência que dependerá muito da personalidade de cada um.
Se a coesão entre os acionistas for muito boa, ou se eles conseguiram criar mecanismos para um certo alinhamento, tal prática pode ser tolerável. Mas se há certa desconfiança entre eles, a governança ficará bastante comprometida. Não se deve esquecer que “responsabilizar” é ainda a forma mais eficaz de controle. Num modelo como este, o presidente terá vários motivos para não se colocar como responsável total pelos resultados, os diretores também terão dificuldade de interagir e encontrar as melhores soluções e, por isso, também terão várias razões para justificar seus resultados. O Conselho, por sua vez, dificilmente terá condições de exercer o poder pleno de supervisão e direcionamento, já que todos têm motivos de sobra para justificar seus resultados, se estiverem abaixo do esperado.
O processo de indicação, seleção e avaliação dos conselheiros, presidente e diretores deveria ganhar maior importância. Não adianta a empresa cumprir com todas as demais práticas, ter desenvolvido todos os instrumentos de controle e compliance se este processo não for bem trabalhado.
Confiança é a essência da boa governança
Quando a empresa é pequena, a linha de comando é clara e as decisões são ágeis. Quem toma as decisões está próximo dos fatos e decide com muito mais conhecimento de causa. Se errar, percebe rápido e corrige. As responsabilidades estão bem definidas. Quando a empresa cresce, a complexidade aumenta e a qualidade do processo decisório cai.
A essência da Governança Corporativa é restabelecer a qualidade decisória criando uma estrutura, processos e regras que permitam a empresa lidar com a maior complexidade. A confiança é a palavra-chave. Todos os princípios e valores da governança foram idealizados para criar esta atmosfera de confiança. Não podemos esquecer isso jamais.
É fácil incorporarmos regras rígidas de controle e processos sofisticados de decisão. O difícil é avaliarmos o quanto isto torna a empresa lenta, o quanto torna difícil acertar o “timing” das decisões, o quanto a empresa terá forças para corrigir os rumos e erros cometidos a tempo. A perda da competitividade é gradual, mas inexorável. E, quando menos se percebe, a empresa torna-se irrelevante no mercado.
O principal valor agregado da governança reside na capacidade de manter a vitalidade da empresa, apesar da sua maior complexidade. Esta deveria ser a principal régua de avaliação de qualidade e não os processos praticados. Empresas ágeis e com processos decisórios democráticos são muito competitivas e sustentáveis.
Voltando ao tema do artigo, realçamos então que, ao incorporamos grupos distintos na gestão e no conselho, vamos estimulando a divisão e, com isso, criando barreiras a um processo decisório ágil. Corrigir erros, então, será um grande desafio, a começar por identificá-los, pois todos atuarão no modo “defensivo”.
Alternativamente neste caso, os acionistas poderiam estabelecer os perfis desejados e deixar para uma consultoria especializada a seleção dos candidatos. Poderiam criar ainda salva guardas, estabelecendo os perfis inaceitáveis. Se o problema fosse manter a confidencialidade sobre soluções tecnológicas (problema muito comum em joint ventures), poder-se-ia criar um acordo específico sobre este ponto, ou manter esta estrutura separada do restante da companhia, de forma que os segredos industriais fossem preservados.
O fato é que os gestores devem ter liberdade e independência para gerir, os conselheiros devem ter liberdade e independência para supervisionar e direcionar; enquanto os acionistas estabelecem de forma clara as suas expectativas de risco e retorno, e mantêm rígido controle sobre as pessoas que farão acontecer.
Não existe confiança cega, é um sentimento que precisa ser alimentado constantemente. A qualidade da governança se mede pela capacidade de nutrir este sentimento de forma a garantir uma organização competitiva e sustentável. O processo de indicação, seleção e avaliação de pessoas, não é o único, mas é um componente fundamental para que isto aconteça.