O último ano foi marcado pela queda do CEO Travis Kalanick, da Uber. A empresa, que antes era tida como a startup mais valiosa do mundo, depois de várias crises, teve sua reputação profundamente abalada em vários países. A crise, que não ficou só por conta do comportamento do CEO, culminou com sua saída do comando da operação.
A questão é que todo o tumulto externo –como a discussão de Kalanick com um motorista, e as queixas de assédio sexual e a cultura tóxica relatadas por uma funcionária, eram apenas uma pequena parte do problema. Uma reportagem publicada pela Bloomberg revelou como Kalanick ignorava totalmente o Conselho de Administração da empresa, desprezando a visão dos conselheiros, e levando a empresa a perdas financeiras e processos judiciais.
Ignorando o Conselho
A crise interna que levou à saída de Kalanick foi longa, mas sua trajetória final começou a se desenhar com a uma ação movida pela Alphabet, holding do Google, contra a Uber. A ação foi originada pela compra da Otto pela Uber, uma startup focada no desenvolvimento da tecnologia “driverless” (o uso de carros sem motorista) por US$ 680 milhões.
Acontece que o dono da Otto, Anthony Levandowski, e ex-funcionário do Google, foi acusado pela empresa de roubar 14 mil arquivos referentes a essa tecnologia. Kalanick foi advertido pelo Conselho a não realizar a compra da Otto. Ignorando seus conselheiros, ele foi em frente. A ação judicial estima que o valor dos arquivos roubados seja de mais de US$ 500 milhões –ou seja, a Uber corre o risco de pagar praticamente duas vezes o valor da Otto.
Presidente do Conselho independente? Fora de cogitação
A Uber tinha um Conselho, mas que era pouco ouvido pelo CEO e fundador da empresa. Prova disso é que o time de executivos enviou uma carta confidencial ao Conselho da empresa, solicitando a contratação de um Presidente do Conselho independente, a demissão do então presidente, Emil Michael, muito próximo de Kalanick, e exigindo que o Conselho afastasse o então CEO do comando da empresa por, pelo menos, três meses.
O desprezo pelo Conselho não acontecia somente pela não adoção de suas recomendações. Kalanick –segundo a Bloomberg— contou a outros executivos como lidava com um dos membros do Conselho, Bill Gurley – simplesmente ignorando suas ligações. Mas a situação mudou quando Gurley conseguiu ser apontado para o Comitê de Auditoria do Conselho, o que o levou a descobrir um rombo na divisão de financiamento de veículos da Uber.
Gurley, entretanto, acabou fortalecendo sua posição no Conselho e aumentando sua influência. A movimentação acabou culminando com a elaboração de um relatório detalhado sobre vários incidentes sexuais, e uma cultura organizacional extremamente tóxica, o que reforçou as solicitações dos conselheiros. Por fim, o ex-líder da Otto foi demitido, e Kalanick foi afastado do cargo.
Os papéis do Conselho
Neste caso, ao executar sua função de controle, o Conselho conseguiu implementar uma série de mudanças com o objetivo de conter e, provavelmente, evitar crises. O Conselho é bastante conhecido por seu papel de controlador, que envolve a supervisão de gestores e o controle de indicadores e resultados, com o objetivo principal de manter a segurança e a confiança entre os sócios. Isso faz com que muitos gestores evitem os conselheiros, por medo de exporem tudo o que há de errado nos processos decisórios da empresa.
No entanto, o Conselho tem um outro importante papel que é o de Mentor, que, no caso da Uber, foi sumariamente ignorado pela principal pessoa responsável pelas decisões da empresa. Além de controlar, o Conselho deve atuar como guia por meio dos conselheiros, e entre suas funções está a de preparar a empresa para suportar movimentos estratégicos.
Por fim, a série de equívocos na gestão da Uber resultaram em um saldo amargo para o investidor –estima-se que o valor da empresa tenha caído em cerca de US$ 10 bilhões.